Encarando o Autismo: Superando o Luto das Expectativas

Receber o diagnóstico de autismo de um filho é um momento de grandes mudanças. Para muitos pais, essa notícia gera um turbilhão de emoções, e uma delas, muitas vezes inesperada, é a sensação de luto.

Mas como é possível sentir luto se o filho está vivo? A verdade é que não estamos falando de luto pela perda de uma pessoa, mas sim pela perda das expectativas e dos sonhos construídos ao longo do tempo, desde os primeiros momentos da gestação até os primeiros anos de vida.

Como afirma a psicanalista Elizabeth Kübler-Ross, “não é a morte que mais assusta, mas a dor da separação de quem amamos” – e, neste caso, há uma separação entre o que se idealizava e a realidade concreta.

Do sonho à realidade: O luto pelo filho idealizado

Muitos pais, ao ouvirem o diagnóstico, experimentam uma crise de identidade parental. Eles passam a se questionar sobre o que significa ser pai ou mãe de uma criança que foge ao que se imaginava. Essa transição entre o “filho imaginado” e o “filho real” pode ser extremamente dolorosa.

Segundo a psicanalista Melanie Klein, “a idealização é uma defesa contra a dor da realidade“. Neste caso, o luto surge justamente da desconstrução dessa idealização, exigindo uma readaptação profunda dos pais e cuidadores.

O impacto emocional não afeta apenas os pais de forma individual, mas reverbera por toda a estrutura familiar.

A Negação

Quando os primeiros sinais aparecem, como o atraso na fala, a preferência por brincadeiras repetitivas ou a dificuldade de interação social, é comum que os pais resistam à ideia de que algo diferente está acontecendo. Essa fase inicial de negação pode durar meses ou até anos, criando uma tensão silenciosa entre os membros da família.

Como explica John Bowlby, “o luto, como processo, pode ser exacerbado quando diferentes membros da família estão em estágios emocionais distintos“. A falta de sincronia no processo de aceitação do diagnóstico pode gerar conflitos e distanciamento entre os pais, e até mesmo entre outros familiares, como avós e tios, que também projetaram expectativas sobre a criança.

O processo de luto pode ser marcado por altos e baixos, de forma que os pais passam pelas fases descritas por Kübler-Ross – negação, raiva, barganha, depressão e aceitação – de maneira não linear.

Esses estágios são vivenciados como uma montanha-russa emocional, onde, em um momento, pode-se experimentar aceitação e, no seguinte, voltar à raiva ou à negação.

Isso reflete o caráter dinâmico e mutável do luto, que não segue um padrão rígido e muitas vezes é vivido de forma única para cada pessoa. “O luto é um processo de reconstrução constante”, diz Sigmund Freud em seus estudos sobre o luto e a melancolia, onde afirma que a mente humana busca formas de compensar as perdas sofridas ao longo da vida.

A Raiva

A fase da raiva é particularmente desafiadora. Para muitos pais, o sentimento de injustiça se manifesta com intensidade: “Por que isso aconteceu com o meu filho?”, “O que fizemos de errado?”. Esses questionamentos podem ser dirigidos a si mesmos, ao parceiro, aos médicos ou até à própria sociedade.

Aqui, entra a importância de um suporte adequado, tanto psicológico quanto social.

A raiva é uma expressão do sentimento de impotência diante da mudança repentina daquilo que parecia certo. Winnicott, em sua abordagem do desenvolvimento infantil, enfatiza que os pais, diante dessas situações, precisam de um “ambiente facilitador” – isto é, um suporte que os ajude a reencontrar sua segurança emocional para continuar a jornada de cuidar da criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A Barganha

A barganha, por sua vez, traz a esperança de que algo possa mudar. Pais podem tentar diversas terapias e buscar incessantemente novos diagnósticos, na tentativa de encontrar uma solução que “cure” ou “reverta” o autismo.

É importante que os profissionais de saúde deixem claro que o autismo não é uma condição a ser curada, mas uma forma de neurodiversidade que precisa ser entendida e respeitada.

A intervenção precoce é fundamental não para transformar a criança em algo que ela não é, mas para oferecer ferramentas que permitam seu desenvolvimento pleno e feliz. À medida que o tempo passa, os pais podem começar a perceber pequenas conquistas e avanços que trazem um alívio para a angústia inicial.

O acompanhamento terapêutico, seja por fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais ou psicólogos, ajuda a criança a desenvolver habilidades únicas, e os pais começam a enxergar o valor dessas intervenções.

Pequenos progressos, como um olhar de reconhecimento ou um novo comportamento social, podem representar grandes vitórias. “O luto também é a busca por significado“, como explica o psicanalista Viktor Frankl.

Para muitos pais, ver o filho alcançar esses marcos é uma maneira de encontrar sentido e propósito em uma jornada cheia de desafios.

O papel da sociedade e da escola também não pode ser ignorado. Muitas famílias enfrentam preconceito ou falta de compreensão por parte da comunidade escolar ou social, o que aumenta o peso emocional do diagnóstico.

A inclusão de crianças dentro do espectro autista em ambientes educacionais tradicionais pode ser uma experiência positiva, desde que a escola esteja preparada e os professores sejam capacitados para lidar com as demandas específicas.

Para tanto, é essencial um trabalho conjunto entre pais, profissionais de saúde e educadores, a fim de garantir que a criança tenha a melhor experiência possível.

Como observa Paulo Freire, “não há saber mais ou saber menos, há saberes diferentes“, e a inclusão de crianças autistas reforça essa ideia de que todas as crianças têm algo a contribuir, cada uma à sua maneira.

A Depressão

É importante destacar também o impacto emocional prolongado que pode ocorrer quando o diagnóstico é feito tardiamente. Quando o diagnóstico é precoce, há mais tempo para que as intervenções adequadas comecem, permitindo que os pais ajustem suas expectativas de forma mais gradual.

Quando o diagnóstico vem mais tarde, pode haver um luto mais intenso, pois os pais tiveram mais tempo para nutrir expectativas sobre o futuro da criança.

Nesse sentido, os profissionais de saúde devem ser sensíveis a essa realidade e oferecer suporte extra para essas famílias, ajudando-as a processar essa perda de forma saudável.

A Aceitação

A aceitação, fase final do luto, é um processo que pode levar tempo, mas é a chave para que os pais possam começar a reestruturar suas expectativas de maneira saudável.

Aceitar o diagnóstico não significa desistir dos sonhos para o filho, mas ajustá-los para a nova realidade, onde o filho pode crescer e se desenvolver à sua maneira. Como ressalta Donald Winnicott, “a tarefa dos pais é proporcionar um ambiente onde a criança possa ser quem ela realmente é“.

Ao entenderem que o diagnóstico de autismo não define completamente a identidade de seu filho, mas apenas uma de suas muitas características, os pais podem recomeçar a sonhar com um futuro pleno e cheio de conquistas.

Por fim, é importante ressaltar que o luto das expectativas não é algo que deva ser combatido, mas vivido e assim ser modificado. A capacidade de adaptação dos pais e familiares é o que permitirá que a criança dentro do espectro autista tenha um ambiente acolhedor e amoroso, onde possa se desenvolver.

Como conclui Freud, “o trabalho do luto é necessário para liberar o afeto preso ao que foi perdido e permitir que novas formas de afeto e apego sejam criadas“.

Assim, ao processarem esse luto, os pais podem encontrar novas formas de amar, cuidar e apoiar seus filhos em uma jornada de crescimento e aceitação mútua.

Compartilhe essa publicação

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

O que você procura?

Paulo Toledo

Dedico minha vida ao estudo e ao conhecimento, com o objetivo de transformar a vida das pessoas. Sou Psicanalista Clínico formado pelo Instituto Gaio e Hipnoterapeuta pelo Instituto PIH Hipnose.

Atualmente, sou Presidente da Liga Acadêmica de Psicologia em Cuidados Paliativos e Luto, membro da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), da Sociedade Psicanalítica Sigmund Freud de São Paulo (SPSIG), da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Hipnose Clínica (SBPHC), da International Hypnosis Association (IHA) e da Associação Brasileira Multiprofissional sobre o Luto (ABMLuto).

Acompanhe as minhas redes sociais

Inicie a sua transformação!

Agende agora a sua consulta presencial ou online. Se preferir, fale antes comigo para tirar a sua dúvida.

Mais Publicações

Open chat
1
Olá! Como eu posso te ajudar?